Vou contar o que aconteceu e tudo o que vi
na fazenda onde nós morávamos
Não é longe daqui.
Fazenda conhecida, município de Capivari.
Numa sexta-feira, já era tarde da noite,
meu pai, minha mãe, eu e mais três irmãos
saímos de casa para ver televisão
numa casa vizinha.
Se fosse aqui na cidade eu calculo uns dois quarteirões.
Era na casa do seu Orlando, um sujeito muito bom.
Toda noite nós íamos lá, subíamos por uma estrada, no meio do goiabal.
Era só goiabeira, mas nesta sexta-feira, a coisa ficou feia.
Nós tínhamos uma cachorrinha que sempre corria na frente, a Bolinha.
Eu ia logo em seguida, depois meu irmão e meu pai, carregando a irmãzinha.
E minha mãe também, atrás, levava no colo o caçulinha.
De repente, a cachorrinha que ia na frente, com o rabinho entre as perninhas,
chorou e quis voltar de medo do que via. Até as corujas eu vi se espantarem.
Olhei para ver o que era e fiquei parado.
O cachorro era feio e grande. Eu não sabia se gritava “pai”, “mãe” ou se corria.
Meu pai logo me pegou pelo braço, e foi uma agonia.
Só escutei meu pai falar:
– Corre, que é o lobisomem!
Meu pai e minha mãe faziam de tudo pra salvar a família.
Na descida dizem que todo santo ajuda, mas acho que ninguém rezou neste dia.
Pelo uivo da fera, mais perto parecia.
Meu pai conseguiu abrir a porta.
Entramos todos de volta em casa, mas as pernas tremiam.
Só deu tempo do pai botar a tranca nas portas e nas janelas.
Naquele tempo costumava colocar tranca na porta.
Era um pedaço de madeira pregado de atravessado e ainda uma tramela.
E, lá fora, o lobisomem uivava. A fera deu um uivo tão feio
e fez um barulho, que até hoje eu não esqueci.
Era como se tivesse chacoalhado as orelhas,
bem no canto da varanda, debaixo da janela.
Depois, saiu fazendo um aranzé no galinheiro.
Nesta noite ninguém dormiu, e o lobisomem desapareceu.
E nós ainda escutávamos, ao longe, o uivo dos cachorrinhos que ficavam no desespero.
Você pode não acreditar,
mas eu vi o tal do lobisomem.
E nunca mais voltamos pra ver televisão na casa do seu Orlando.
Até que o pai comprou uma pra nós.
No fim, ficamos sem coragem:
Tanto a novela, que na época era “Os irmãos coragem”,
quanto nossa própria valentia,
que o lobisomem levou embora naquela noite estranha.