ArtigosJ.R. Guedes de Oliveira

Na fogueira de São João

Por quatro anos consecutivos passei na fogueira de São João. A última vez foi na noite de 23 para 24 de junho de 1967 e a publicação da foto desta minha passagem foi pelo jornal “Correio de Capivari”, edição de 10.07.1967 Tinha, eu, 21 anos de idade e posso, com toda a minha segurança, dizer alguma coisa desta extraordinária tradição em Capivari.

Toda vez que se preparava para a realização desta festividade, um grupo de pessoas ligadas à Igreja tinha todo o cuidado possível para que tudo ocorresse da melhor forma e segurança. A areia era espalhada sobre os paralelepípedos e, em cima desta, as toras de madeira entrelaçadas, formando a chamada “caieira”.

O trabalho começava logo ao entardecer do dia 23, de modo que às 23:00 horas já tudo estivesse pronto, com as brasas bem avermelhadas, prontas para serem pisadas, após estas serem espalhadas em forma de círculo. Era um trabalho bem feito, formando, na verdade, um tapete lindo, quente e bem distribuído.

O pátio da Igreja Matriz de São João Batista ficava repleta de curiosos, cinegrafistas e fotógrafos. Não havia, naquele tempo, os celulares. Eram máquinas fotográficas que se via, por várias posições.

Tudo e todos estavam na marcação das batidas do sino, marcando meia noite, horário que se iniciava a passagem dos devotos de São João e enriquecidos pela fé de que “brasa não queima”, quando a comemoração é para devotos do santo padroeiro de Capivari.

Eu, como nas vezes anteriores, me posicionava para a passagem lenta, como sendo um dos primeiros. Não havia temor. O importante era arregaçar a barra das calças para não queimar. Os pés não sentiam nada, apenas um gosto, tipo tapete ou carpete macio de mais.

A roda em torno da fogueira era um pouco mais distante, dado ao alto calor. Só mesmo os que iriam passar sobre as brasas ficavam mais perto, já com os pés descalços.

A sensação que eu tinha de passar sobre as brasas três vezes, como mandava a tradição, gritando, ao meio da fogueira “Viva, São João!”, era como se estivesse caminhando sobre algo impensável, sublime. Talvez, em comparação hipotética, “andando sobre as nuvens”.

Das brasas, nunca senti queimar os meus pés. E olha que não fui jovem de andar descalço. Portanto, tinha as plantas dos pés bem sensíveis.

No São João de 1965, aconteceu que muitos se queimaram, inclusive eu, que fui retirado do meio da fogueira, agarrando-me aos pedaços de paus que me apareceram por todo lado. Sai com as pernas queimadas, com as plantas dos pés em bolhas – tais queimadoras de 2º grau. Mais de 40 dias na cama, sem poder por os pés no chão e tratado, na época, com uma pomada chamada “Picrato de Butesin”.

Naquela noite, havia chovido. A fogueira fora feita em cima dos paralelepípedos. Não fora colocado areia. As pedras estavam superaquecidas e se percebia, vendo as brasas nada avermelhadas, mas com muitos pontos escuros (acinzentadas). Foram estes paralelepípedos os causadores das queimaduras; jamais as brasas.

Deu no que deu. Muitos tiveram queimaduras e houve recuo da maioria que se propunha a passar na fogueira. Foi um fiasco total.

Passado 50 anos deste acontecimento, ainda guardo na memória os pés e as pernas com enormes bolhas. Não mais voltei a participar destas festividades. Contudo, se a fogueira de São João feita dentro do que realmente se fazia antigamente, não hesitaria em passar novamente.

(extraído do meu livro “Crônicas e outros bichos” – volume I, 2018)

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